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Paixão Sertaneja: os Ritos da Semana Santa em Araci

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A Semana Santa em Araci, no sertão baiano, é mais que um rito católico: é um mergulho coletivo no tempo, na fé e na memória afetiva da cidade. Com riqueza de detalhes, o jornalista e escritor Franklin Carvalho, natural de Araci, nos oferece um relato único sobre como esses rituais — da Quaresma à Ressurreição — estruturam o calendário, as emoções e a própria percepção de morte e vida no interior do Nordeste.

🌿 Quaresma e as Vias Sacras: o caminho da dor

Antes da Semana Santa, os quarenta dias da Quaresma já anunciam a preparação espiritual. As vias sacras — procissões com paradas em 14 estações que reencenam a via-crúcis de Cristo — ocorrem entre a Capelinha e a Igreja Matriz ou do Bonfim à cidade. São celebradas de manhã, à tarde ou à noite, marcando o ritmo da comunidade.

🐑 Domingo de Ramos: entre festa e proteção

O Domingo de Ramos, que lembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, transforma a cidade. Folhas de pindoba (Attalea oleifera) são levadas à igreja, abençoadas, e depois penduradas nas portas das casas como proteção. Algumas são guardadas para dias de tempestade — basta lançá-las à chuva como sinal de bênção.

💜 Quarta do Encontro: homens e mulheres em procissão

Na Procissão do Encontro, homens e mulheres saem de pontos diferentes da cidade com as imagens de Nosso Senhor dos Passos e Nossa Senhora das Dores. Enfrentam-se simbolicamente diante da igreja, num gesto de dor e reencontro. As imagens se cruzam como mãe e filho no caminho do calvário.

🔥 Quinta do Lava-Pés e do Fogaréu: a prisão do Cristo

A Missa do Lava-Pés remonta à Última Ceia, com o padre lavando os pés de 12 homens vestidos como apóstolos. Ao fim, os homens partem com velas acesas para o Bonfim, marcando com luz o caminho da prisão de Jesus. O Fogaréu é um momento de silêncio, de passos e cantos graves, hoje também com participação feminina.

⚫ Sexta da Paixão: luto, fé e comunhão com os mortos

É o dia mais intenso: jejum, caruru, visitas ao cemitério, procissão da Paixão com personagens vivos (como Verônica e Maria), e a Vigília do Senhor Morto, quando o corpo de Cristo é beijado e velado por toda a noite. O simbolismo do luto e do sacrifício se reflete até nas roupas — o preto domina.

🎺 Sábado de Aleluia: matraca, silêncio e renascimento

Durante o dia, só se ouve o som seco da matraca, que substitui os sinos. À noite, acende-se o círio pascal, e o fogo se espalha de vela em vela entre os fiéis. A Missa da Ressurreição encerra os rituais da Semana Santa, mas é menos frequentada, como se a comunidade sentisse mais urgência na dor do que na vitória sobre a morte.

🕊️ A morte ritualizada e a fé no eterno retorno

Franklin também destaca os aspectos simbólicos e antropológicos do luto em Araci:

  • A morte de Cristo como ensaio para a morte de todos;

  • O corpo do Cristo, tocado, beijado, guardado em silêncio e respeito;

  • A fé na ressurreição como base de uma cosmologia que não separa o morto do vivo, o sagrado do profano.

“Toda morte refaz a trajetória do Messias.”

📿 Tradições íntimas: fé no corpo e na alma

Relatos como o de uma senhora de 90 anos que amarra cordões de nós rezando um Pai-Nosso por dia, guardando a mortalha para seu funeral, revelam uma religiosidade profundamente enraizada, delicada e íntima.

📝 Texto original por Franklin Carvalho, jornalista e escritor nascido em Araci (BA). Autor de Céus e Terra, vencedor do Prêmio SESC de Literatura e do Prêmio São Paulo de Literatura.

📚 Referência:CARVALHO, Franklin. Relato sobre os ritos da Semana Santa em Araci. Araci, 2012 (revisto em 2014). Trechos adaptados para fins educativos e culturais.

📸 Imagens sugeridas: procissões em Araci, a Capelinha, a imagem do Senhor Morto, o Fogaréu e os cordões de oração.

 
 
 

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